Na ultima semana ocorreram diversas discussões sobre atendimento médico durante voo. Imagine a situação: Você está no meio de um voo, um passageiro passa mal, a comissária solicita a presença de um médico. O que fazer? Sou obrigado a atender? Se não for minha especialidade? Se eu tiver ingerido álcool? Posso cobrar pelo serviço prestado? Neste artigo iremos esclarecer tais dúvidas de forma didática e direta.
1. O médico deve prestar socorro ao passageiro?
As legislações elencam como DEVER o médico prestar socorro a pessoas em risco iminente. Não atender o chamado da comissária caracteriza crime (omissão de socorro) e infração ética, pois o Código de Ética Médica também elenca como dever o atendimento de pessoa em risco.
2. Estou fora do meu país. Posso atuar, nestes casos?
Em consulta 5353/96 – o CFM já se posicionou sobre o tema: “Certamente, sim. Trata-se de trabalho eventual e em circunstância emergencial. Nessa hipótese, prevalece a qualificação profissional sobre a habilitação prevista em lei. “
3. Se tiver ingerido bebida alcoólica ou tomado remédio para dormir durante o voo?
O médico ao embarcar em um voo comercial, não estará incumbido do dever de prontidão que possui durante um plantão nas dependências do hospital ou de sobreaviso. Assim, estará “livre” para fazer uso de bebida alcoólica durante o voo.
Se o médico estiver em condições de proceder o atendimento e considerar-se apto para o socorro, poderá realiza-lo, haja vista que muitas das vezes, sendo o único profissional dentro do voo, suas habilidades poderão ter valor inestimável.
Quando o médico não está em condições de atendimento, ou consumiu medicação para dormir durante o voo e nem sequer escuta o chamado. Há ilícito? O Médico cometerá algum crime?
Não há ilegalidade na conduta do médico. Para se falar em crime de omissão de socorro é necessário que a conduta tipificada “deixar de prestar assistência” seja consciente e voluntária, ou seja, dolosa – o médico deve ter consciência do ilícito/ consciência de que a vitima encontrava-se em situação de perigo/ do risco iminente.
Portanto, se o médico dormiu, ou por algum outro motivo não ouviu o chamado, não há que se falar em consciência/ dolo, pois não teve ciência de que alguém precisava de socorro. Sendo assim, não há crime.
Em pesquisa de julgados brasileiros não encontramos qualquer condenação de médicos por omissão de socorro em voos. É comum tal responsabilização criminal quando está presente o dever de prontidão. (ex: médico em plantão).
4. Não sou especialista. E se eu não souber como proceder o atendimento, serei responsabilizado?
Para responsabilizar o médico é necessária a comprovação de culpa. Como já dissemos em diversos artigos, na analise da culpa médica o juiz irá checar todas as circunstancias pessoais, materiais e físicas do atendimento, ex: atendimento em um voo, médico não especialista e não habituado com urgências.
Importante: O que se exige do médico é uma conduta cuidadosa, que faça o que está ao seu alcance e dentro de suas possibilidades. Não se exigirá do médico condutas heroicas ou condutas iguais as que seriam tomados por um médico experiente e renomado da especialidade dentro de um hospital bem equipado.
• Para o CFM o que mais interessa nesse atendimento é a triagem do caso, auxiliando a tripulação e o comandante sobre a necessidade de mudança de rota/ necessidade de pouso, nos casos graves, ou se trata de um caso em que é possível a continuidade da rota do voo.
5. Posso cobrar honorários pelo atendimento?
Sim. O médico pode cobrar pelo atendimento. Contudo, para o CFM, trata-se de uma cobrança inoportuna, em face do caráter eventual. Porém, ressalto, cabe ao médico esta decisão, e ainda, caberá somente ao profissional estabelecer o valor de seu trabalho.
6. Quem deverá arcar com os honorários?
As legislações e decisões judiciais afirmam que a companhia aérea, nestas situações, cumpre apenas um papel de intermediário, já que as normas brasileiras não obrigam estas empresas a contarem com serviço médico a bordo, sendo a responsabilidade limitada apenas ao transporte de passageiro.
Assim, de acordo com as legislações e decisões judiciais a respeito, a empresa aérea é um terceiro na relação – requerendo a presença do médico, o contrato de prestação de serviço no caso, seria apenas entre o passageiro e o médico.
Portanto, optando pela cobrança dos honorários, esta deve ser feita diretamente ao passageiro. A companhia aérea, judicialmente, é considerada como mera intermediaria desse atendimento.
Amanda Bernardes – Advogada Especialista em Defesa Médica